O Gosto de uma época
Vou passar
Vou passar. Vou passar pelas cinzas de uma quarta-feira que ficou. A bagunça não acabou, o bloco dos políticos está na rua. Vou contra esse bloco, na solidão de um samba. Vou passar no sentido contrário desse imenso carnaval político que nunca acaba.
Vou passar pelos políticos que não tiram as máscaras (até outubro será cada vez mais maquiagem). Vou passar pelas eternas promessas. Vou passar pelas fantasias jogadas num canto e ver a miséria pintada no rosto dos foliões. Vou passar pelos coronéis. Vou passar pelas madames. Vou passar pelos que fazem política em benefício, unicamente, próprio. Vou passar pelas letras dos analfabetos. Vou passar pelas ruínas de uma cidade. Vou passar pelos palanques da mentira. Vou passar pelos sem-vergonha e sem-caráter. Vou passar.
Vou passar pela falta de informação. Vou passar pelos monstros do poder. Vou passar pelas doenças que espalham na cabeça da população. Vou passar pelas balas que carregas as armas. Vou passar pelos que jogam o povo contra o povo. Vou passar pelos que não honram os bigodes e as saias. Vou passar com uma bandeira de retalhos, igual aquela... (silêncio). Vou passar, como mais um retalho, como mais um sonho, como mais uma vida.
Vou passar pelos ditadores, pelos tiranos, pelos carniceiros. Vou passar com passos firmes. Vou passar pela falta de voz do povo. Vou passar pelo sofrimento que habita esse povo. Vou passar pela falta de uma política que tente estancar essa dor. Vou passar pelos ratos, baratas, vermes do alto escalão. Vou passar com o peito aberto. Vou passar com arranhões, mas vou passar. Vou passar pela fumaça, pelo óleo diesel, pela destruição. Vou passar pelos protocolos que ferem a vida. Vou passar pelas imagens do que um dia ficou para trás e não tem mais volta. Vou passar e levar um pouco desse ontem.
Vou passar pelo sinal que está sempre fechado. Vou passar pelos pivetes, pelos filhos dessa falta de política. Vou passar e espalhar poesia. Vou passar pelos canhões que nunca pararam de atirar. Vou passar pela guerra quem mata calada. Vou passar pelos porões de uma política podre. Vou passar pelos reis sem reinos e pelos juizes sem justiça. Vou passar pela escravidão e mostrar as algemas para o mundo. Vou passar e ensinar o (a) homem (mulher) a abrir os braços, tentar voar. Vou passar pela castração, pelas gaiolas, pelo medo.
Vou passar pelas moedas que compram homens e calam orgulhos. Vou passar pelos que, um dia, tentaram passar por este caminho que segue na contramão e ficaram na memória. (Pausa). Vou passar pelos becos, pelos palácios e pelos infernos da humanidade. Vou passar pela falta de prazer vou passar pelas gravatas e pelos sorrisos de ouro (ouro de tolo). Vou passar pelo mercado da fama. Vou passar pelos que têm nojo do povo. Vou passar pelos que não escutam o que diz o coração. Vou passar pelas terras que deixaram inférteis de propósito. Vou passar pelos corpos de tantos lavradores mortos na própria terra. Vou passar e deixarei lágrimas. Infelizmente, ao contrário das lendas, da lágrima que caí na terra não irá brotar uma flor. Vou passar e semear o que diziam as flores de um sambista.
Vou passar e nada vai me segurar. Vou passar e nos meus olhos existirão colombinas e pierrôs. Vou passar e levar comigo todos os foliões que aos poucos ficam sem fantasia. Vou passar com um samba feito de retalhos. Vou passar e quando tentarem me impedir, vou cantar. Cantar que apesar deles, amanhã há de ser outro dia. Vou passar. Por favor, vamos passar.
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