Daniel Campos

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O apocalipse segundo a mulher amada

A mulher amada
Sentou-se no alto de uma pedra
Tendo à frente a lua
E em suas costas o sol
Num plano trigonométrico exato
A ponto de ela provocar
Eclipse total nos dois amantes.
Ao alcance das mãos
De um esmalte que mistura cereja e diamante
Dezenas de folhas brancas
E um lápis de olho
Pronto para manchar as folhas
Com o seu íntimo...
Ao contrário do que pensavam os românticos
Ela não escrevia poesia,
Mas o próprio apocalipse
Com suas belas e com suas feras
Com suas bestas e seus anjos
Subidos ou caídos
Com suas pestes e suas glórias...
Na verdade, a mulher amada
Negava aquela vida
E escrevia um outro mundo
Nascente de sonhos e delírios
Que já não cabiam
Naquela terra pouca...
Nos gestos da mulher amada
Os sinais de catástrofes
Eram visíveis e palpáveis,
Seja em seus impulsos
Ou em seus pulsos
A tragédia era eminente...
Seus olhos
Olhavam longe
Esperando Jesus
Cavalgando pelos céus
Em um cavalo branco
Armado com espada
Para o acerto final
De contas...
No útero da mulher amada,
O drama se dá
Pelo conflito que provoca e perturba
Entre o Jesus do apocalipse e o da paz
Entre o vingador e o salvador
Entre o messias e o inquisidor...
Ao primeiro suspiro
Saído de sua boca chanfrada,
Os mortos voltariam à vida
E uma legião de anjos arrastaria a antiga serpente
Do éden
Em uma corrente
Ao passo que um arcanjo traria em suas mãos a chave do abismo
Sem fundo...
A serpente, mesmo amarrada, ainda seduziria
Milhares de evas
Que estariam prontas para devastar seus adãos
O diabo teria sua alforria
Louco para beijar bocas virgens de pecado
Os tronos ficariam vazios
Todos estariam no campo de batalha
E então, entoaria uma canção, de glória ou de morte
Para se dançar colado ao corpo da mulher amada
Que bailaria entre o céu e o abismo
De si própria.


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