Daniel Campos

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04/10/2013 - Língua

Que língua, que língua, que língua você fala? Será a língua, a língua
Das fadas, das estrelas, dos peixes de néon, das encantadas,
Dos corações de crepom, das centelhas, das luas de batom?
Língua de menina, língua menina, menina língua, língua em e de meninices...
Será, será que será, será que fala a língua dos deuses antigos,
Das civilizações ainda não nascidas? Será alguma língua proibida,
Esquecida, perdida? Será uma língua de prazeres ou de perigos?
Sua boca rouca e louca guarda, como casa dos céus, a língua alada,
A língua que voa entre espaçonaves e corsários. Você fala a língua
De astronautas e piratas, de cometas e fragatas, de planetas
Não descobertos, de tribos não conhecidas, de princesas não tidas
Em letras de contos-de-fada. Sua língua não é língua estranha
É língua que ganha, que arranha pelas entranhas dos ouvidos
Em agudos, bemóis, graves e sustenidos. Uma língua que tem o dom
de transformar pernas, braços, pés, pescoços, dorsos em ouvidos.
Uma língua que fala e cala e tara com a mesma intensidade.
Uma língua anti-realidade, que provoca, invoca e sufoca com som e frases
Que são como ases nas mãos dos jogadores. Uma língua que pari a saudade
Antes mesmo de ir ou de se fazer ou sentir falta. Uma língua que dá íngua,
Que faz sofrer, arder, morder, anoitecer, acender, chover, acontecer.
Uma língua buquê de tantos e ao mesmo tempo sem porquê algum. Uma língua restinga
De amores que não se contam mais, que não se encontram mais, e no mais
Uma língua rosa entre morangos vermelhos e tangos que arrepiam todos os cabelos.
Uma língua que transita por ouvidos, por bocas ocas, por joelhos, costas e tornozelos
Uma língua que palpita, que excita, que suscita palavras ainda não escritas
Por escritores e poetas, palavras ainda não vividas por atores, palavras ainda não entoadas por cantores, palavras ainda não coreografadas por corpos de baile.
Sua língua é fonte de palavras intocadas, que chegam virgens, inéditas aos palcos.
Sua língua é feita de fogo, cachaça, graça, do que não passa – caçadora e caça.
Sua língua se adoça pela saliva do oceano de uma boca que ora é de carne ora é de pano
Como de bonecas que ganham vida num passe de mágica. Língua de promessas e peças.
Sua língua é dramática, é trágica, é enfática, é densa, é impossível e assim,
Escorre, bole, corre por entre dentes e gente, pelas costas, pelos avessos,
Pelas frentes frias e quentes com suas nuvens ensolaradas e de trovões
Que rugem pela boca que é templo da língua que fala ao vento palavras e sentimentos.
Língua de unguentos, de fermentos, de rebentos, de firmamentos e de voz que a deixa
Completamente a sós com os ecos de batalha e romance entoados em suas nuances.


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