Daniel Campos

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21/10/2008 - Vinte e quatro anos de silêncio

O coração de Eloá ficou em silêncio. Mas não foi o silêncio eterno, tampouco o quase silêncio do coma. Foram 24 anos do mais puro silêncio. Com Eloá, ele viveu durante quinze anos. Poucas vezes deve ter pulsado tão rápido quanto nos dias em que ficou à mercê do ex-namorado e atual assassino. Diante das ameaças, um pulso desafinado. Diante do choro da mãe, um pulso sufocado. Diante do ataque da polícia, um pulso desesperado. Diante da solidariedade da amiga, um pulso consolador. Diante dos tiros, um pulso saudoso.

Quinze anos de meninice, de brincadeiras, de beijos adolescentes interrompidos de forma brutal. Os gritos da multidão, o apelo dos pais, o som da ambulância, a curiosidade dos repórteres, as explicações do comandante da operação estavam em uma outra freqüência cardíaca. Com a morte cerebral, o coração continuou a bater contrariando a morte. Para continuar vivo, foi obrigado a deixar o peito de Eloá para ganhar o de outra mulher, só que agora de 39 anos de idade.

Entre o medo que findou os 15 anos de Eloá e o sorriso de esperança da paciente de 39 anos existem 24 anos de silêncio. É como se o coração tivesse deixado de bater por esse período e acordasse novamente, sem se lembrar de uma fase de sua vida. O primeiro voto, a carteira de motorista, a formatura, a carteira de trabalho, o casamento, os filhos... Ele, o coração, não pulsou nesses momentos. Por mais feliz que bata com a nova família, vai pulsar um certo vazio. Pudera, além dos anos que passou em companhia de Eloá, bate o silêncio de 24 anos.


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