Daniel Campos

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06/02/2015 - Tomando chuva

No meio de tantos que correm e se cobrem da chuva, que fazem uso de sombrinhas pretas ou coloridas, das românticas às psicodélicas, há quem passe literalmente tomando chuva. Tomando no sentindo de beber, pois cada milímetro quadrado de tecido, cada poro, cada célula é devida e inteiramente preenchido pela chuva que há. Homens que não se importam em manchar seus sapatos engraxados, embaçar seus óculos, incitar o linho de suas camisas de mangas longas ao desejo de florescer. Mulheres que tomam aquela chuva borrando a maquiagem, desmanchando o penteado, revelando segredos corporais. Felizes os que não gritam com suas crianças quando elas vão pela enxurrada ou poças. Aliás, como seria bom se fossemos barquinhos de papel sendo levados pela água no meio fio pela força da gravidade, vivendo o êxtase até ser desmanchados e tragados por alguma boca de lobo. Olhemos a chuva e saibamos com ela como nos comportar. A chuva não combina com gritos, com correria, com desespero. A chuva alimenta a alma, e por maior que seja sua força, é um convite ao silêncio, à contemplação, à entrega. Ninguém toma uma bebida caríssima num gole só, é fundamental a existência de um ritual que permita o aproveitamento a fundo de todos os sabores que compõem aquele sabor. E não há bebida mais cara neste mundo do que a chuva. Portanto, não desperdice a chuva correndo ou blasfemando o quanto de deus (de deuses) há nela. Viva a chuva para que a chuva possa viver você.


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