Daniel Campos

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20/03/2012 - Toda molhada

Ela chega molhada em casa cheirando à chuva. Seu cabelo escorre como um rio doce. Veleiros velejam pelas tempestades de seu corpo agitado. Suas palavras quebram como ondas. Sua boca está mais viva, trazendo o viço das plantas depois de uma noite de chuva. Chega aliviada como nuvem depois de descarregar seus raios e trovões. Dispensa sombrinhas e sapatos. Vem descalça pelas enxurradas, totalmente livre, dividindo as corredeiras com barquinhos de papel e olhares distraídos.

Sua pele vem úmida e semeada, como se cada pingo de chuva enterrasse a flor de seu tecido uma semente de desejo, ou de esperança, ou de felicidade. Brinca com as poças d’água. Em momento algum pensa em se esconder da chuva. Em determinado trecho, depois de absorver muito daquelas nuvens, ela passa a chover. E chove num contentamento de encher os olhos dos deuses da chuva. E quanto mais chove mais exala um frescor que causa suspiros e sons ainda não batizados.

O vestido molhado já não tem a leveza dos dias de sol, segue agora agarrado ao corpo como um parceiro de dança mais desinibido. Suas costas, lavadas por aquele toró, guardam a memória da chuva. Uma memória que mexe com todos os sentidos. Num determinado momento é como se a chuva lhe concedesse um par de asas. Dentro de casa, debaixo das telhas, a chuva continua, ao menos, no seu inconsciente particular que, aos poucos, torna-se coletivo.


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