Daniel Campos

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28/10/2010 - Santa chuva, chuva santa

A santa chora tantas mães sem filhos, tantos filhos sem mãe. A santa chora pelos meninos do sinal, do craque, dos fuzis. A santa chora tantas mortes em vão, tantas vidas não vividas. A santa chora uma série de crucificações diárias. A santa chora pela falta de arrependimento, de misericórdia e compaixão. A santa chora pela humanidade ter sido dominada pela cegueira, pela surdez, pela insensatez. A santa chora, mesmo com tanto poder, a sua impotência diante da realidade da cidade dos homens.

A santa chora por quem não tem comida no prato, por quem tem que dormir ao relento, por quem sofre sem remédio. A santa chora o fim da criação divina. A santa chora os descaminhos e desalinhos. A santa chora a falta de medo, respeito e amor. A santa chora de dor. A santa chora de desilusão. A santa chora de desesperança. A santa chora tantas plantações que não vingaram, tantos sonhos que secaram, tantos cursos que se desviaram. A santa chora os que ao contrário de amar, desamaram.

A santa chora a ausência de fé e oração, a solidão de um mundo egoísta e solitário. A santa chora corações partidos, amores esquecidos. A santa chora o fim da inocência, da magia humana. A santa chora as consequências de sequências e mais sequências de traição. A santa chora a indecência de uma existência autodestrutiva, corrosiva, à deriva. A santa se curva e chora um choro doído, caído sobre nós em forma de chuva.

Chuva contínua, triste e dorida.


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