Daniel Campos

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Renascimentos

Quantas vezes você já nasceu? A pergunta pode parecer absurda, mas pense, por alguns instantes, quantas vezes você já nasceu e quantas ainda vai nascer. A vida é um nascimento constante. Alguns renascimentos são mais visíveis, como no caso da lagarta que renasce borboleta, da lua minguante que renasce cheia e da cigarra que renasce com outro esqueleto e até da famosa fênix que renasce do fogo. Outros, são mais discretos, como acontece com a espécie humana e o sol. Você acredita que o sol nascente de hoje é o mesmo sol poente de ontem? No caso dos humanos, na maioria das vezes, cada um dos bilhões de seres espalhos por esse mundo tem infinitas razões próprias e íntimas para renascer.

Só em algumas passagens há um renascimento coletivo. Para quem se lembra dos tempos escolares, a humanidade renasceu em luzes e formas depois de um longo período de escuridão (idade média). No advento da renascença, o renascimento foi coletivo em transformações que nos fizeram nascer para a idade moderna, com uma nova filosofia, arte e ciência. Outra passagem foi a bomba de hiroshima, onde o mundo renasceu em medo e indignação.

O nascimento físico, aquele que se dá depois de longos meses navegando pelos mares do útero materno, é o mais comum dos nasceres. E, por mérito do destino, o único em que obtemos um registro, um documento, um nome oficial. Mas que importa o oficial para os sonhadores? Há uma outra vida para nascermos e outras tantas para renascermos. E não é preciso ser espírita, hindu ou budista para participar desses renascimentos. Também não é preciso morrer, no plano físico, para voltar a nascer. É claro que muitos passam pela vida sem ter renascido, mas não é o que pretendemos para nós, certo?

Certo ou errado, eu, particularmente, quero renascer muitas vezes. E renascer no todo do processo. Do flerte ao choro do nascimento, passando por todo o período de gestação. Quero sentir cada contração dos meus sonhos. Por quantas vezes já engravidei de ilusão e dei à luz a uma mistura de contentamento e sofrimento. Por quantas vezes já engravidei de fantasias e dei à luz a um par de asas - se havia ou não céu para voar já é uma outra questão. Por quantas vezes já me engravidei de sentimentos e dei à luz à poesia. A cada parto, renasço. Mais forte ou mais fraco, não importa. O importante é a renovação que há nisso tudo.

Há alguns partos que são secretos para o mundo e até para nós mesmos. Outras gravidezes são escancaradas. Umas são motivos de festas, outras de angústia. É como engravidar de amor, independentemente da ocasião e do contentamento, sabe-se, previamente, que há de existir um pouco de tristeza nesse rebento. Para amar, havemos de saber sofrer. Ou, ao menos, não temer a completude do amor que abriga, em seu todo, indicações e contra-indicações. Eis o segredo. Ou, ao menos, o caminho para a descoberta desse segredo.

Há gravidezes que duram um minuto, outras uma vida toda. Algumas acontecem ao ar livre, outras sob uma internação, quase um coma profundo dentro de um casulo de medos e desejos. Algumas gravidezes trazem quilos extras, outras conseguem levar outros tantos como se nos consumissem numa fome sem fim. O consenso é que todas trazem a certeza de que é para isso que existimos. Para sermos criatura e criador ao mesmo tempo, ao mesmo sentimento, ao mesmo vento. E mais do que isso, esses renascimentos nos levam a uma certeza maior: a de que existimos para além das pedras.

Você deve renascer de muitas formas, eu, em específico, renasço quando coloco os pés na terra úmida de orvalho, quando bebo vinícius de moraes, quando reabro uma porteira, quando acho que tom jobim toca para mim, quando vejo a lua vermelha quase caindo do céu, quando coloco sentimentos no papel, quando me banho com aquela chuva que cai como um milagre do sétimo céu, quando me encontro comigo mesmo e também quando me desencontro de mim, quando peco e me absolvo nos anjos e nos demônios existentes no beijo da mulher amada.

Hoje, depois de dez anos de gestação, praticamente secreta, marcada por dores e prazeres infindos, nasço inédito num pranto que dói a beleza de uma vida dedicada ao sentimento. Hoje, 24 de setembro, início de primavera, dia de nossa senhora auxiliadora, renasço diante de seus olhos. E como em todo nascimento ou renascimento renasço nu. Nu em sentimento e coração. Renasço como sempre vivi. Só que agora, ao alcance de todos.

Este texto é o primeiro grito, saído entre o choro e o riso, de um renascimento. Este texto é o estouro de um champanhe e a chama para acender um charuto que é estendido a você. Muito obrigado por testemunhar este momento que não é só meu. O sentimento é um mundo que me percorre, mas que não cabe em mim. Hoje e sempre, sejam bem vindos a este mundo de emoções e palavras. E que assim seja!


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