Daniel Campos

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Quando em seu colo

Quando em seu colo, nada mais existe. Eu me absorvo e me sorvo de mim mesmo, quando em seu colo. Quando em seu colo, o mundo perde um pouco de seu azul e fica mais lilás - a mais feminina das cores. Quando em seu colo, ouço os gritos da fêmea que há em você. Quando em seu colo, sinto-me numa espécie de casulo, de cápsula, de semente... tenho a sensação de que vou ganhar um novo mundo a qualquer momento. Quando em seu colo, sinto o perfume de romã de sua boca rompendo todas as minhas manhas e manhãs. Quando em seu colo, a dor desaparece. Os pecados passam de sete quando em seu colo. Quando em seu colo, sou um pouco mago, feiticeiro, bruxo de mim mesmo. Quando em seu colo, acredito no amanhã. Quando em seu colo, os sabores são mais intensos. Quando em seu colo, sinto-me no meio de uma plantação de morangos. Os trens, os navios, os cavalos param por respeito ou por medo, quando em seu colo.

Quando em seu colo, a febre é uma constância. Quando em seu colo, há uma multidão de damas e vagabundos habitando os meus porões. Quando em seu colo, renovo-me fora e dentro. Uma alma sai do purgatório e desce ao inferno, quando em seu colo. Quando em seu colo o mundo não gira, vira. Quando em seu colo, chove porque poucas coisas são mais sublimes do que a chuva. Quando em seu colo, juro-me de um outro jeito. Quando em seu colo, sou forte sou sorte sou morte. Quando em seu colo, deixo de respirar e entro em alfa, em ômega, em beta. Quando em seu colo, me agarro em garras à sua pele. Quando em seu colo, mísseis e morteiros não tem efeito em mim. Quando em seu colo, não estou nem no fim nem no começo... Estou no meio. No meio de uma história, de uma batalha, de um cometa, eis o que há quando em seu colo. Quando em seu colo, sou bento. Quando em seu colo, o amor existe. Quando em seu colo, a solidão se crucifixa na cabeceira da cama. Quando em seu colo, os vaga-lumes são mais amáveis.

Quando em seu colo, as legiões de bestas-feras vão para o outro lado. Quando em seu colo, os sinos dobram. Quando em seu colo, liberto-me de mim e dos meus fantasmas. Quando em seu colo, testemunho um outro tempo. Quando em seu colo, os sentimentos são tão intensos que chegam a cortar. Quando em seu colo, colo-me. Quando em seu colo, uma paixão súbita e eterna me devora. Quando em seu colo, a seqüência perfeita do baralho do destino está comigo, em naipes e figuras. Quando em seu colo, o meu tempo é agora. Quando em seu colo, sou pássaro que não passa, fica. Quando em seu colo, suo de prazer e de pudor. Quando em seu colo, sou abstrato. Quando em seu colo, as preocupações fogem de mim. Quando em seu colo, entrego-me numa entrega sem volta. Quando em seu colo, invado lugares nunca dantes navegados ou, quiçá, descobertos.

Quando em seu colo, viro-me pelo avesso. Quando em seu colo, me pego contando estrelas. Quando em seu colo, a vida se torna um grande parque, com roda-gigante e algodão doce. Quando em seu colo, eu sou o menino e você é a menina dos contos que sempre nos contaram. Quando em seu colo, os olhos não têm fundo. Quando em seu colo, a rua não tem saída. Quando em seu colo, há o convite do chocolate. Quando em seu colo, a saudade corre para debaixo do tapete. Quando em seu colo, o coração é exorcizado. Quando em seu colo, a cidade queima em parafina. Quando em seu colo, vôo nas asas de um maranhão. Quando em seu colo, uno todas as minhas metades. Quando em seu colo, as palavras encontram seu habitat. Quando em seu colo, traço mundos, galáxias, universos paralelos.

Quando em seu colo, os poetas fazem sentido. Quando em seu colo, me farto de pólen. Quando em seu colo, as montanhas estão logo ali. Quando em seu colo, os segredos são réus confessos. Quando em seu colo, tatuo em mim seu cheiro. Quando em seu colo, não mais vou, não mais sou, estou.


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