Daniel Campos

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02/04/2010 - Paixão dolorosa

Santa, puramente santa nasceu você, sexta-feira das dores. Santa feira, sexta de dor. Nasceu condenada ao silêncio e ao sacrifício. Nasceu jurada ao sofrimento vitalício. Tem o legado da proibição, da inibição, da castração de desejos e outros ensejos. Sexta de Barrabás. Sexta da vitória do Satanás, do martírio de Deus, do choro dos judeus, é assim dolorosamente sexta por quase dois mil anos. Tanto tempo faz e o vento que corre em ti, sexta-feira, ainda corta em dor de luto.

Sexta do grito de Jesus questionando o possível abandono do pai. Sexta que mata e morre na cruz. Sexta da escuridão, do roxo, da falta de luz. Sexta das dores. Sexta dos atores que encenam a paixão. A paixão de um Deus que se fez carne e morreu por nossas mãos. Sexta dos ateus e dos cristãos. Sexta do choro de Nossa Senhora, mãe e virgem dolorosa. Sexta das promessas de redenção, de ressurreição, de glória e aleluia. Sexta na qual um pássaro de fogo canta o fim do mundo na beira da tuia.

Ao longo das suas horas, ò sexta-feira, não se come carne, não se bebe vinho, não se comunga o corpo e o sangue de nosso senhor. A luz vermelha do sacrário é apagada nas igrejas. O santíssimo sacramento não é exposto aos fiéis que, mais do que nunca, sentem-se órfãos. E há uma legião de homens marchando pelas ruas com a mesma dureza dos soldados que mataram o filho do rei. Sexta santa habitada por pecadores. Sexta concebida com a mancha do pecado original. Sexta real, carnal, fatal...

Em respeito à dor que punge em seus seios, ò sexta-feira da paixão, os sinos não dobram. Não há missa e todos falam baixo. Verônicas cantam a imagem do messias que ficou em um pedaço de pano. As ruas são tomadas de velas que queimam uma tristeza sem tamanho. Velas que velam Cristo crucificado. Pelas ladeiras descem as vias-sacras, lamentando quadro a quadro a morte do Deus vivo. Chorem por ele e também por ti, sexta-feira da mais dolorosa paixão.


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