Daniel Campos

Imprimir Enviar para amigo
21/11/2013 - “Não vai dar tempo”

Não vai dar tempo de ir mais uma vez a Brasília. Não vai dar tempo de lhe encontrar de novo. Não vai dar tempo de voltar a sua casa. Não vai dar tempo de lhe entregar o doce de laranja que eu fiz pra você. Não vai dar tempo de lhe dar um abraço. Não vai dar tempo de sair desta cama de UTI. Não vai dar tempo de sorrir outra vez. Não vai dar tempo de arrumar tudo para o Natal. Não vai dar tempo de eu ver nada além do que vejo agora por mais uma vez. Não vai dar tempo de eu conseguir levantar, andar, viajar...

Não vai dar tempo de eu lhe contar muito do que eu tenho passado. Não vai dar tempo de eu terminar de remendar as camisas de seu avô. Não vai dar tempo de conversarmos sobre o amor. Não vai dar tempo de eu terminar aquela toalha de mesa imensa que comecei a bordar pra você. Não vai dar tempo de você tornar a comungar das minhas mãos. Não vai dar tempo de eu esperar pelas jabuticabas, pelas mangas, pelas lichias. Não vai dar tempo pra fazer aquela polenta com frango caipira que você tanto gosta.

Não vai dar tempo de eu pedir mais tempo. É muita dor. É muita fraqueza. É muito sofrimento. Eu queria que tudo isso passasse, mas não vai dar tempo. Eu queria fazer tanto ainda, mas não vai dar tempo. Já foi difícil esperar por você. A batalha para vencer o câncer me cansou de um jeito... Não acha que estou feia? E quando pensei que tudo tinha passado, veio à queda e a fratura do pescoço. Depois de uma vida toda trabalhando, minhas pernas que não mexem. Olha meus braços como estão bobos.

Não vai dar tempo, não vai dar tempo, não vai dar... Choro. Pausa. Mãos apertadas. Beijos na testa. Saudade antecipada. Despedida. Não vai dar tempo de outro encontro como esse, pelo menos nesta vida. Não vai dar tempo de e a gente colocar a conversa em dia. Não vai dar tempo de eu lhe mostrar os novos jabutis que estão lá no quintal. Não vai dar tempo de a gente voltar a passar o sábado juntos. Não vai dar tempo de lhe mostrar como estão perfumados meus jardins. Não vai dar tempo de pedir mais nada...

Não vai dar tempo... Choro. Adeus. Silêncio.

Observação do autor: Há exatos cinco anos eu, por volta de 13h pousava em Viracopos (SP) e às 15h estava na UTI da Santa Casa de Misericórdia de Mogi-Mirim visitando minha avó Adélia, internada há alguns dias. "Não vai dar tempo" foi a frase, dita por ela na ocasião, que ainda ecoa em mim até hoje. De fato, ela tinha toda razão: não deu tempo. Ela faleceu instantes depois do final da visita.


Comentários

Nenhum comentário.


Escreva um comentário

Participe de um diálogo comigo e com outros leitores. Não faça comentários que não tenham relação com este texto ou que contenha conteúdo calunioso, difamatório, injurioso, racista, de incitação à violência ou a qualquer ilegalidade. Eu me resguardo no direito de remover comentários que não respeitem isto.
Agradeço sua participação e colaboração.

voltar