Daniel Campos

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Não acabou

Ando pelas ruas com passos lentos. Embora queira correr, movo-me como se fosse uma animação de um filme. Um filme que só conseguia ser exibido em câmera lenta. Quadro a quadro. Quero fugir de algo que não sei o que é. Todos fugimos de alguma coisa, não importa do que. O que interessa é que fugimos. E nesse momento eu ainda não sei do que fujo.

O céu está cinza. Talvez da poluição ou talvez de nuvens de chuva ou talvez porque deus resolveu acordar de mau-humor, sem nenhuma dose inspiração. Eu estou ansioso. Não consigo me deter em detalhes. O céu não é detalhe, mas... Ando e ando e ando e estou sempre no mesmo lugar.

Sempre as mesmas esquinas, que se dobram do mesmo jeito... As mesmas pessoas sem rostos que trombam nos mesmos olhos, nos mesmos ombros, nas mesmas pernas... Os mesmos crimes, os mesmos escândalos, os mesmo culpados... E os mesmos jurados da inocência mesma.

Pode ser que não fuja, posso estar atrás de algo ou de alguém... Mas, não... Fujo... Não procuro ninguém, tampouco tenho algum ponto de referência... Ando ora as escondidas... Ora olhando para trás... Ora olhando para lugar nenhum... O céu é lugar nenhum... A qualquer momento posso levar um tiro, uma porrada ou um par de algemas... Isso tudo porque julgo-me inocente. Aliás, nem me julgo, não havia feito nada. E esse é o meu maior medo... O medo de ser inocente... Nos dias atuais a condição de culpado é muito mais confortável...

Conforme ando, meu destino fica curto, estreito, sem saída. É como se alguém quisesse me calar. Não que eu tenha algum segredo que possa implodir a nossa pátria mãe gentil. Sei apenas o que todos sabem... Mas hão de me censurar por nada. A minha vida nunca valera tão pouco. Ando e ando e desando. Não importa os carros, os semáforos, os muros, eu não posso parar... De fato, não posso... Se esperasse, corria o risco de viver a minha última espera...

O asfalto é movediço e qualquer passo pode ser um passo em falso... Posso cair para sempre em um porão... Um porão sem fundo... Já me tiraram tanto... Já me tiraram a tranqüilidade, a voz e agora ameaçam as minhas palavras... Não importavam se belas ou não, são minhas palavras... Ou melhor, são meus sentimentos vestidos, materializados, palpáveis às mãos ou aos olhos mais céticos... Fujo ainda com alguns versos secando na tinta fresca da minha boca... De fato, 1968 ainda não acabou...


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