Daniel Campos

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Fez-se o colapso

A crise de energia que assola o Brasil é um tema gasto, porém temas só se desgastam quando fazem parte constante do nosso cotidiano e este precisa ser retratado. Falar de apagão é traçar um caminho que leva à mesmice, todavia há sempre um jeito novo para tratar "coisas velhas". É como se várias bocas contassem a mesma história, esta, entretanto, ganha um sabor diferente em cada boca.

Apagão? Pairam dúvidas e suposições enquanto a verdade permanece escondida. Desde o momento em que a crise no setor energético passou a ser mencionada, fez-se o apagão. Ele, infelizmente, ganhou vida própria em nossa realidade. Deixou de ser hipótese para se tornar um corpo concreto. Um corpo feito de watts, racionamento e mistério.

A crise energética já virou assunto de roda de bar, de novela, de conversa de comadres. No início era dito como fantasma e hoje, anda em nossas falas como tantas outras quimeras. Perdeu o charme (se é que um dia o teve) e se vulgarizou. Passamos a cultuar o relógio de força, fazer preces para que a cota não estoure. Ressuscitamos de lamparinas a ferros de passar à brasa. Falam tanto em progresso e o que fazemos é regredir.

Os românticos que se perderam em um tempo vêem o apagão com gosto de passado na boca. Voltaria o tempo das conversas nas ruas, iluminadas apenas por uma lua e um lampião pendurado na varanda. E o romantismo dos castiçais à mesa. Pobres românticos! Já se foi a época do amor em paz. As ruas lembram desertos mergulhados na escuridão. Ruas vazias e inseguras. Violência, roubos, assaltos. As casas apagam suas luzes e se deixam iluminar pelo brilho da televisão. De fato, para muitos não há lua fora da tela da TV.

Culpados?! Nós acusamos o governo, que por sua vez acusa São Pedro, que até agora não teve direito de resposta. Parece "Quadrilha" de Drummond. A energia é uma "mercadoria" que nos é vendida, isto é, temos o mero papel de consumidores; as chuvas são fenômenos e estes não marcam hora, dia ou local, portanto não há razão em culpar o céu; e se o governo não previu que isso iria ocorrer (ou fingiu não ver as previsões) é porque, certamente, estava ocupado com assuntos mais importantes. FHC teria de completar seu ciclo de visitas ao redor do mundo; ACM estava preocupado com listas e dossiês; o ministro de Minas e Energia, Pedro Parente, em toda a sua "inocência" acreditou no senso comum, que a energia é uma fonte inesgotável. O governo se assemelha a versão "trash" da bela adormecida: só desperta com o beijo da desordem.

Que mal há no fato do país ficar no escuro! Ninguém mais vai ver a miséria, a fome, os escândalos. Falar em apagão para se esquecer da instabilidade da moeda, dos paraísos fiscais, das negociações com a Alca. Sobretaxa, desemprego, caos,..., isso são "detalhes".

De nada vale discursos nacionalistas, velas para São Pedro, cortes de luz. O problema está na estrutura política do Brasil. A direita está caduca. Como explicar a privatização no setor energético, colocar nossos recursos naturais em mãos estrangeiras, estranhas. E a oposição parece ter as mãos atadas. Sobram críticas, faltam propostas. Nada vai se resolver antes das eleições de 2002. O circo arma suas lonas. Resta-nos tomar cuidado com os que se escondem na escuridão de promessas e caracteres e torcer para que a luz do fim do túnel não se apague, ou melhor, não seja apagada.


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