Daniel Campos

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19/09/2008 - Fantasia, alucinação, miragem

Na ponta dos pés e calada, como quem quer aprontar alguma coisa, ela chegou. O relógio, entre voltas e cochilos, marcava três horas da manhã e doze minutos. A escuridão foi o melhor cenário para ela se aproximar sem ser vista. Quando a perceberam, ela já caia solta. Danada como só, pegou todos de surpresa. E o seu sabor foi, antes de tudo, fantasia, alucinação, miragem. E veio trazendo um frescor de camomila. Talvez ela se internasse nos últimos meses entre pés de camomila e agora, despejasse não só o aroma da flor, mas uma candura capaz de suavizar qualquer emoção. Uma candura refrescante, mas de natureza quente.

Para atestar essa natureza, vestia uma camisola oceânica e fina, na exata textura das nuvens que a rondavam. Por mais que caminhasse entre sonos e sonhos, ouriçava homens e mulheres com sua sensualidade. Ela, com toda sutileza, despertava sentimentos, realçava memórias, renascia desejos. Mal chegara e já mudava rotinas e realidades por completo. Diante dela, havia quem se embrenhasse nas cobertas, quem abraçasse ainda mais a criatura amada, quem fechasse janelas, quem abrisse a geladeira, quem se benzesse e quem tivesse vontade de sair correndo estrada.

Depois de quase seis meses de ausência, ela havia voltado para ficar. Ao contrário de quem chega batendo na porta, ela chegou caindo dos céus em um imenso pára-quedas. Veio deslizando nas asas de um vento sudoeste. Antes mesmos do raiar do dia, havia desaparecido realçando ainda mais seu toque de fantasia, alucinação, miragem. No entanto, entre a dúvida e a certeza, ela continuava presente nas flores de um ipê que ganhou um tom de amarelo ainda mais vivo, no ar que trazia um frescor de camomila para dentro de nossos corpos e nos traços de um sol que amanheceu, literalmente, molhado. Sem sombra de dúvida, ela, a chuva, havia voltado para ficar.


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