Daniel Campos

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04/05/2010 - Capítulo 17

Condenado aos fantasmas

Alguns espíritos de luz ligados a dona Valentina estão na sala de cirurgia do hospital onde está sendo operada Susana, a garotinha vítima do acidente envolvendo Sebastian.

Uma operação de alto risco já que ela perdeu muito sangue e bateu a cabeça contra a janela do carro.

Os espíritos que foram médicos em vidas passadas e hoje desempenham essa função no plano espiritual auxiliam os profissionais ali presentes por meio da manipulação das energias colhidas na natureza.

Já os outros, entre eles guardiões do portal que ligam os mundos, protegem a menina formando em torno de seu corpo um campo positivo de vibrações.

Isso porque a ação da anestesia e o coma provocaram um estado forçado de sonolência na garotinha, abrindo assim um campo fluido magnético e a exposição de seu princípio vital.

A oportunidade de agir nessa abertura de campo fluídico atrai uma leva de umbralinos. Os guardiões guardam o perispírito de Susana de quaisquer ataques daquelas criaturas sombrias.

Além da morte daquela criança significar um castigo ainda mais duro para Sebastian, ela faria muitos inocentes sofrerem. E espalhar sofrimento é uma das principais atribuições dos habitantes do umbral, inconformados com a própria morte e com a felicidade alheia.

Mas graças aos espíritos de luz, suaves raios de amor fluem dos céus, cingindo as auras de médicos e enfermeiros. Raios que acalmam e inspiram o trabalho. Aos poucos, bálsamos curativos do Espírito Santo descem sobre o corpo e a o espírito de Susana.

Também há seres iluminados tranqüilizando e confortando a mãe e outros parentes da enferma. Afinal, a aflição e atitudes impensadas só fazem favorecer os espíritos ruins.

Depois de 54 minutos de aflição, a hemorragia cessa, os batimentos cardíacos voltam ao normal e a equipe médica comemora. Os espíritos de luz dão as mãos e agradecem, por meio de oração, ao amparo de Deus.

Na sala da delegacia, Sebastian não consegue olhar para os olhos de Malena. Sente muita vergonha de ter chegado a um patamar tão baixo. Se pudesse, teria ficado dentro da cela.

Isso porque ele não sabe que do lado de fora do prédio há dezenas de repórteres com fotógrafos e cinegrafistas e gravadores tentando capturá-lo da forma mais sensacionalista possível.

Quem mandou ser famoso e símbolo de Justiça? Livres ou encarceradas, há uma série de pessoas querendo sua cabeça servida em uma bandeja. Pessoas que foram prejudicadas por suas denúncias e atuação no exercício da procuradoria ou ofuscadas por sua carreira promissora.

Malena quebra a barreira de silêncio e constrangimento instalada naquela sala e abraça o marido de forma acalorada. Ela chora. Diz que fará de um tudo para tirá-lo dali. Ele não consegue falar nada a não ser pedir perdão. Ela insiste que eles vão sair dali juntos, que vão ser felizes, que tudo não passa de uma fase ruim.

Acredita que o que aconteceu foi um acidente. E avisa que o pagamento da fiança só não foi possível ainda pelo peso que há nas acusações de tentativa de homicídio culposo e desacato. Contratou um advogado renomado que já ajuizou um pedido de habeas corpus.

O acusado conversa a sós com o advogado. Detalha tudo o que aconteceu incontáveis vezes. Só que ele abusa da verdade, afirmando e reafirmando que foi sabotado por espíritos ruins. Que algum umbralino deve ter cortado o freio de seu carro.

O advogado se espanta com o estado psicológico de seu cliente e pensa em pedir sua internação. Quando cogita isso com Malena, ela prontamente o despede. Irritado por perder tempo e dinheiro, avisa ao delegado que deixa o caso porque Sebastian é um psicopata.

O advogado sai acompanhado por um umbralino enquanto a mãe de Susana entra tendo ao lado um espírito de luz.

Ela, com um sorriso indisfarçável no rosto, diz que sua filha está bem, que a operação foi um sucesso e que a pequena já saiu do estado de coma. Diz que está ali porque pensou muito e quer retirar a queixa contra Sebastian. Afinal, foi um acidente.

Na hora, em razão do susto e de ver a filha naquela situação, foi tomada por um sentimento de ódio que só lhe faz mal. Confessa que sofreu algo estranho antes da colisão que lhe tirou parte de sua consciência e sua capacidade de reflexo. Isso impossibilitou qualquer reação sua ao volante.

Sebastian e Malena se abraçam. Ele diz que faz questão de visitar a menina quando sair dali. Porém, o delegado deixa claro que mesmo com o pagamento da fiança e com a retirada da queixa por parte da mãe da garotinha, o promotor vai passar aquela noite na cadeia para pensar um pouco nas besteiras que fez. Principalmente, no que diz respeito ao desacato.

Sebastian se revolta, aponta o dedo para a cara do delegado e é algemado com violência. Malena pede calma. Ele quer a imprensa. Os ânimos estão exaltados. Ela diz que trará algumas roupas, cobertas e comida, mas o delegado censura esses mimos. Deixá-lo ali em situação precária parece fazer parte do castigo que se pretende aplicar naquele homem.

Sem mais o que fazer, Malena, com olhos orvalhados, promete vir buscá-lo nas primeiras horas do dia seguinte.

Os dois se beijam rapidamente e se olham numa despedida lenta e dolorosa. O carcereiro conduz Sebastian novamente para a cela. Desta vez, em sua companhia só há o advogado que choraminga inconformado por ter matado a própria mulher por ciúme.

Sem a presença do fanático religioso e do empresário truculento, sua noite seria mais tranqüila. Ao menos se pudesse desligar seu cérebro num passe de mágica e usar aquele período para descansar. Se pudesse tomar um remédio e desmaiar. Se pudesse se esquecer.

Sozinho e em silêncio são os pensamentos de Sebastian que o afligem. Revoltado, não reza ou agradece, tampouco reconhece o quanto o celestial o ajudou fazendo com que a menininha se recuperasse e a mãe dela retirasse a queixa. Tem raiva de estar ali naquela situação. E isso faz com que os umbralinos ganhem força para lhe atormentar com pensamentos e vibrações ruins.

Ele se sente um fracassado, culpado por tudo. Mesmo com a notícia de que a garotinha está bem, a imagem de seu carro indo de encontro àquela indefesa criatura não sai de sua cabeça. De olhos abertos ou fechados, ele vê aquela garotinha ensangüentada, quase morta, toda cortada e machucada. E associa isso a Diego, o filho de Malena que morreu vítima de um acidente de carro.

Era noite. Horas depois de ter expulsado Hernandez de casa, Malena beija Sebastian no portão da casa. O menino vê tudo e sai correndo, pronto para contar ao pai o que viu. Ele já conhecia o promotor, mas pensava que era apenas amigo da família. Não achou que ele iria tirar o lugar de seu pai. Diante do beijo, tem um choque e sai correndo.

Malena se desespera com a atitude do filho. Sebastian corre atrás do menino pela rua escura. Como resultado da perseguição, um carro atropela o garoto, que é jogado alguns metros adiante. Diante dos gritos, o promotor ainda o socorre, o leva para o hospital, tenta ter e dar esperança. Porém, cinco dias depois ele morre na UTI vítima de traumatismo craniano.

A mesma coisa que quase tirou a vida de Susana.

Embora saiba que a morte do menino foi acidental, a culpa está impregnada em seu subconsciente. E isso o machuca, o castiga, o assombra. Na época, todos, com exceção de Malena e Valentina, o culparam. Depois, culparam a mãe por se relacionar com o homem que matou seu filho.

Mesmo precisando um do outro, eles precisaram se afastar por algumas semanas. Ele não pode nem comparecer ao funeral, nem consolar a amada, nem se explicar para sua futura família.

O motorista que atropelou Diego foi condenado à prisão. Além de não ter carteira de motorista, estava bêbado. E ainda fugiu sem prestar socorro.

Mas isso não foi o suficiente para Sebastian, que não tinha bebido, que socorreu o garoto e que longe do volante, ter se tornado, na boca de alguns, o grande culpado pela morte de uma criança indefesa.

Anos depois, a ferida não cicatriza. Dias atrás, Micaela acusou o padrasto na porta da igreja de ter matado seu irmão. Tomás ainda não conseguiu entender o que aconteceu. Volta e meia, influenciado pelo que ouve, pergunta se Sebastian matou seu irmão. Hernandez até hoje o condena. “Bom dia, assassino”. “Alô, o assassino está aí”. “Sua mãe me trocou por um assassino”.

Naquela cela fria, ele olha para as suas mãos e vê sangue. O sangue das crianças.

Ao seu redor, enxerga tanto Susana quanto Diego caídos, machucados, agonizantes, mortos, revoltados e pedindo ajuda.

Aqueles fantasmas o perseguem.

Um cheiro de morte, de hospital, de velório infesta o ar.

Pelo jeito, a noite será longa e castigadora.

Observação do autor: Próximo capítulo: dia 6 de abril (quinta-feira)


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